É importante compreender o universo lúdico, pois o brincar proporciona benefícios no ensino-aprendizagem infantil, bem como favorece o desenvolvimento de habilidades e capacidades que serão utilizadas até a fase adulta.
Na literatura recente, o brincar é visto por dois aspectos: o brincar como prática da Terapia Ocupacional e o brincar como lugar na vida da criança. No primeiro caso, o brincar é considerado na Terapia Ocupacional como um objeto de estudo e intervenção - área de ocupação humana - em que o terapeuta ocupacional deve observar o repertório da criança, considerando suas habilidades, valores, experiências, contextos e interesses. No segundo caso, entende-se o lugar do brincar na vida da criança, considerando a relação do brincar com o prazer, a descoberta, o domínio da realidade, a criatividade e a expressão.
A infância é uma fase em que são adquiridas inúmeras habilidades motoras e sensoriais, na qual a criança aprende a organizar as suas respostas aos estímulos que sofre no decorrer dos seus primeiros anos de vida.
No entanto, algumas crianças podem apresentar reações inapropriadas a certos estímulos sensoriais, exibindo padrões de comportamento incompatíveis com a situação ou com o momento, impedindo que o papel de brincar seja desempenhado de forma satisfatória. Os problemas mais comuns na área do processamento sensorial que podem afetar o brincar e as atividades cotidianas da criança são:
Falhas no registro sensorial: a criança parece não prestar atenção a estímulos relevantes no ambiente, nem sempre reagindo à dor, aos movimentos, sons, cheiros, sabores ou a estímulos visuais;
Tendência à procura de estímulos: são crianças muito ativas motoramente, que parecem estar em constante procura por estímulos intensos ou outras modalidades sensoriais, e, embora sejam crianças mais agitadas, que desafiam o perigo, existe a hipótese de que elas são hiporreativas a certos estímulos, precisando de informação extra para manter atenção e dar significado ao ambiente;
Hiperreação a estímulos: as manifestações mais comuns são defensividade tátil, insegurança gravitacional e resposta aversiva ou intolerância a movimento - tendência a evitar estímulos táteis, um medo excessivo ou reação de enjôo, náusea e mal-estar, com o estímulo mínimo de movimento.
Assim, quando vemos crianças com uma forma de brincar um tanto imatura, quer porque exploram o meio à procura de sensações, quer porque são desorganizadas no brincar, e parece não conseguirem decidir um tema, ou organizá-lo, provavelmente podem estar manifestando sintomas de disfunção de Integração Sensorial. O brincar da criança nos primeiros anos está centrado no corpo. As crianças gostam de bater os pés e as mãos nas superfícies, levam as mãos e objetos à boca e movimentam-se e balançam-se em várias posições.
As crianças com disfunção sensorial podem não ter interesse nessa exploração, o que tem impacto no desenvolvimento da noção de corpo e na coordenação dos movimentos. Empurrar objetos, sujar o corpo e experimentar sensações são essenciais para que a criança desenvolva o esquema corporal e a coordenação. Nas crianças com problemas de modulação (que evitam ou recebem pouca informação durante as brincadeiras), o brincar pode estar comprometido, devido ao ineficiente desenvolvimento da manipulação dos mesmos e da coordenação dos membros.
Normalmente só depois de a criança explorar a relação com objetos, combinando-os e registrando as suas potencialidades, enquanto cria conceitos, é que ela começa a expressar-se através do jogo simbólico. O jogo simbólico permite a expressão de sentimentos e da manifestação das capacidades de práxis (execução).
Quanto às crianças com sinais de autismo, essas podem apresentar dificuldades com a comunicação, com a interação social e comportamentos repetitivos, e, também demonstrar sinais de desordens sensoriais. Uma vez identificado que a criança apresenta disfunções sensoriais que prejudicam o brincar, o Terapeuta Ocupacional pode intervir com a Terapia de Integração Sensorial - uma abordagem que procura organizar as sensações do próprio corpo em relação aos estímulos do ambiente.
A Análise do Comportamento Aplicada – ABA também traz inúmeras contribuições, afirmando dois aspectos sobre o comportamento de brincar: sobre o comportamento operante e sobre as propriedades naturalmente reforçadoras.
O próprio comportamento de brincar é aprendido e envolve a aprendizagem de um necessário repertório mínimo. O comportamento de brincar vai sendo também aperfeiçoado à medida que a criança segue modelos e gradualmente vai modelando esse repertório. Pode-se afirmar que o comportamento de seguir um modelo - o imitar - é um requisito para o brincar.
O brincar pode contribuir para a intervenção em crianças com desenvolvimento atípico pelos seguintes aspectos: ajudando na interação com parceiros típicos, diminundo comportamentos auto-estimulatórios e outros comportamentos inadequados socialmente, e, estimulando o desenvolvimento de novas habilidades.
”Brincar é a forma infantil de aprender, é a válvula de escape para as necessidades inatas de atividade. Nela a criança envolve-se com a mesma energia que nos engajamos em nosso trabalho. Brincar é uma incumbência séria que não deve ser confundida com diversão ou uso do ócio do tempo, não é leviandade, é uma atividade intencional”. ALESSANDRINI, 1949.
Desenvolvendo habilidades com o brincar:
- contato visual;
- atenção compartilhada;
- reciprocidade sócio emocional;
- habilidades verbais;
- faz de conta;
- coordenação motora fina e ampla;
- habilidades de coordenação viso-motora;
- sequência lógico-temporal;
- habilidades pré acadêmicas e acadêmicas.
Desenvolvimento da criança por intermédio do brincar:
- Brincar e o prazer: o prazer é um componente essencial do brincar;
- Brincar e a descoberta: a criança desenvolve um saber-fazer experimental;
- Brincar e o domínio da realidade: o brincar da criança é a forma infantil da capacidade humana de experimentar situações-modelo e dominar a realidade
- experimentando;
- Brincar e criatividade: no brincar, a criança decide o que é realidade, transforma-a e adapta aos seus desejos;
- Brincar e expressão: o brincar é a linguagem primária da criança, ou seja, a linguagem da ação.
Desenvolvendo habilidades com o brincar na perspectiva da Terapia Ocupacional:
- Componente Sensorial: manipular as características sensoriais dos objetos é o que contribui para o desenvolver da percepção;
- Componente Motor: nas brincadeiras, as crianças praticam diferentes tipos de preensão, coordenação e movimentos finos - e desenvolvem as reações de proteção;
- Componente Cognitivo: as habilidades cognitivas permitem compreender o ambiente e desenvolver o pensamento;
- Componentes Afetivos: iniciativa, expressão de si, reação à frustração, faz-de-conta;
- Componente Social: o brincar desenvolve as habilidades de relação com o outro, contato visual, desenvolve habilidades verbais.
Importância do brinquedo:
Os brinquedos são parte do universo da criança. Por meio deles, a criança começa a experimentar, manipular, inventar, desenvolver a linguagem, testar seus limites, estimular a curiosidade, desenvolver a autoconfiança, reproduzir o seu cotidiano e suas relações sociais.
Como escolher um brinquedo?
Para escolher um brinquedo para seu filho, é necessário levar em consideração algumas características:
- investigar que tipo de brinquedo a criança gosta;
- observar a fase de desenvolvimento da criança, sendo necessário que sejam adequados para a idade e que não excedam suas habilidades e capacidades, ou seja, de acordo com cada habilidade e cada faixa etária da criança é que é escolhido o tipo de brincadeira e brinquedo;
- brinquedos que favoreçam a imaginação, a criatividade, o raciocínio e o faz de conta;
- brinquedos que estimulem a interação e socialização;
- atenção para não comprar brinquedos da moda, apenas por comprá-los, sem função específica para seu filho;
- evitar brinquedos por meios eletrônicos - tablets, celulares, televisão, etc. - que ocupem todo o tempo da criança. É importante que a criança conheça o mundo virtual, mas é necessário cautela com esses tipos de brinquedos. É não comprometer a qualidade de interação, perdendo a oportunidade de brincar, ampliar e variar o repertório comportamental;
- não considerar apenas o aspecto estético do brinquedo;
- crie diversidade! Se a criança já tem vários brinquedos do mesmo tipo, ofereça brinquedos diferentes;
- atenção para as peças pequenas, material seguro, que não traga riscos para a criança ao manusear, e brinquedos que possuam o selo do Inmetro.
Assim, tanto os brinquedos quanto as vivências de brincadeiras de roda, correr no quintal, entre outros (hoje tão esquecidas), configuram-se em grandes oportunidades para o desenvolvimento infantil.
Como estimular o brincar no ambiente domiciliar?
A relação entre os filhos e pais na situação do brincar é essencial, bem como a importância do afeto e participação efetiva na vida dos filhos. Pela estimulação do brincar por parte dos pais no ambiente domiciliar é possível aumentar o interesse, maximizar potencialidades e capacidades e favorecer o desenvolvimento integral da criança. É importante o esclarecimento de que os pais não são os terapeutas dos seus filhos, e não deverão hesitar em solicitar orientações dos profissionais.